Fechadura by Alice |
Quem nunca
cuidou da casa de outros durante algum período? Cuidou com amor e muito zelo porque conhecia
bem o dono, ou foi pago pra ser caseiro durante o veraneio de férias?...
Eis que me
encontro às portas da casinha da chácara. Diante de um molho de chaves com
inúmeras possibilidades. Uso a chave pequena ou a dourada? Quem sabe a chave
comprida, ou seria a prateada com o plástico?
Vou tentando
chave por chave do imenso molho e nada... já ouço o miar desesperado da gata
que ficou presa dentro de casa, pedindo com urgência para sair de seu
enclausuramento acidental.
Ele, o dono da
casa, me disse algo antes de me passar as chaves... me deu algumas
instruções... Ai, esta memória de paciente com Alzheimer que me aflige desde
criança, o que era mesmo???
- Pegar a
correspondência.
- Alimentar os
gatos com ração nova e colocar a ração velha fora! Estes bichos são tão
nojentos quanto o dono.
- Limpar
possíveis 'presentes' felinos.
- Dar água às
plantas. Pobres... são os únicos seres vivos, mudos, que ele ama, eu acho... se
bem que quando venta e chove elas produzem música.
- Colocar veneno
nas frestas das janelas. Ai de mim se quando ele voltar encontrar mosquito
zunindo na orelha.
- Não tocar nos
tesouros (discos de vinil), muito menos, tocar no diamante (agulha do
toca-discos).
Bom... ele sabe
que eu sou desastrada... alguém contou, ou ele sabe...
E a lista
continua...
- Verificar se os
cupins continuam a alimentarem-se do batente da porta e tentar borrifar o
veneno mais potente que tiver no mercado... aproveitando a sua ausência na
moradia.
- Deixar o rádio
na estação favorita, mesmo que eu queira mudar eventualmente... voltar a
estação que a casa e o dono estão habituados a ouvir.
- Lavar os
pratinhos dos bichanos, que criam limo com o tempo... e me certificar que a
água esteja limpa e sem larvas de mosquitos.
- Recolher as
frutas do pátio para mim, se eu quiser. Bom... acho que aproveito o limão, para
uma caipirinha... mas, nem é época...
E a chave??? Qual
era a chave que abria esta porta??? Ele não me disse...
Das dezenas de
chaves que segurava uma era a correta, mas eu teria que descobrir por tentativa
e erro. Talvez fosse a lição que ele quisesse me deixar...
Pode ser que ele
quisesse que eu me sentisse ansiosa diante da oportunidade de abrir uma nova
porta em minha vida, que eu descobrisse como entrar em uma nova jornada de
aventuras desconhecidas.
Quem sabe ele
esperasse que eu desse um sorriso ou que proferisse o palavrão da raiva e de
ira diante do obstáculo e do tempo perdido. Ou, ainda, que ele estivesse me
testando para ver o quanto conhecia sua rotina e seu modo de vida... assim,
deduziria pela aparência, a chave certa!!!
Volto a atenção
para o molho novamente e escolho a chave gasta... aquela que estava meio
tortinha das noites de farra, a mais lustrosa do uso e a de aparência mais
rústica...
O miolo gira,
faz-se um click!!!
O gato já está em
agonia, dentro da casa e eu em desespero fora dela.
Com a mão na
maçaneta aplico o último golpe para adentrar naquele novo universo e...
Ahhhhhhhhhh...
Ele travou o
ferrolho...
Acabei de lembrar
a última instrução. A entrada não era por esta porta, era pela porta da frente!