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Foto do fundo: Auto-retrato - São Miguel do Oeste - SC by Alice Elaine

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Cuidando da casa...

Fechadura by Alice
Crônica publicada em 25.12.2015 no site de Claudemir Pereira. http://zip.net/bmsBvx 

Quem nunca cuidou da casa de outros durante algum período? Cuidou com amor e muito zelo porque conhecia bem o dono, ou foi pago pra ser caseiro durante o veraneio de férias?...
Eis que me encontro às portas da casinha da chácara. Diante de um molho de chaves com inúmeras possibilidades. Uso a chave pequena ou a dourada? Quem sabe a chave comprida, ou seria a prateada com o plástico?
Vou tentando chave por chave do imenso molho e nada... já ouço o miar desesperado da gata que ficou presa dentro de casa, pedindo com urgência para sair de seu enclausuramento acidental.
Ele, o dono da casa, me disse algo antes de me passar as chaves... me deu algumas instruções... Ai, esta memória de paciente com Alzheimer que me aflige desde criança, o que era mesmo???
- Pegar a correspondência.
- Alimentar os gatos com ração nova e colocar a ração velha fora! Estes bichos são tão nojentos quanto o dono.
- Limpar possíveis 'presentes' felinos.
- Dar água às plantas. Pobres... são os únicos seres vivos, mudos, que ele ama, eu acho... se bem que quando venta e chove elas produzem música.
- Colocar veneno nas frestas das janelas. Ai de mim se quando ele voltar encontrar mosquito zunindo na orelha.
- Não tocar nos tesouros (discos de vinil), muito menos, tocar no diamante (agulha do toca-discos).
Bom... ele sabe que eu sou desastrada... alguém contou, ou ele sabe...
E a lista continua...
- Verificar se os cupins continuam a alimentarem-se do batente da porta e tentar borrifar o veneno mais potente que tiver no mercado... aproveitando a sua ausência na moradia.
- Deixar o rádio na estação favorita, mesmo que eu queira mudar eventualmente... voltar a estação que a casa e o dono estão habituados a ouvir.
- Lavar os pratinhos dos bichanos, que criam limo com o tempo... e me certificar que a água esteja limpa e sem larvas de mosquitos.
- Recolher as frutas do pátio para mim, se eu quiser. Bom... acho que aproveito o limão, para uma caipirinha... mas, nem é época...
E a chave??? Qual era a chave que abria esta porta??? Ele não me disse...
Das dezenas de chaves que segurava uma era a correta, mas eu teria que descobrir por tentativa e erro. Talvez fosse a lição que ele quisesse me deixar...
Pode ser que ele quisesse que eu me sentisse ansiosa diante da oportunidade de abrir uma nova porta em minha vida, que eu descobrisse como entrar em uma nova jornada de aventuras desconhecidas.
Quem sabe ele esperasse que eu desse um sorriso ou que proferisse o palavrão da raiva e de ira diante do obstáculo e do tempo perdido. Ou, ainda, que ele estivesse me testando para ver o quanto conhecia sua rotina e seu modo de vida... assim, deduziria pela aparência, a chave certa!!!
Volto a atenção para o molho novamente e escolho a chave gasta... aquela que estava meio tortinha das noites de farra, a mais lustrosa do uso e a de aparência mais rústica...
O miolo gira, faz-se um click!!!
O gato já está em agonia, dentro da casa e eu em desespero fora dela.
Com a mão na maçaneta aplico o último golpe para adentrar naquele novo universo e...
Ahhhhhhhhhh...
Ele travou o ferrolho...

Acabei de lembrar a última instrução. A entrada não era por esta porta, era pela porta da frente!


quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Casa Vazia...

Casa vazia...  de algum lugar na net



Sempre fui estranha... sempre me considerei diferente e estranha.
Estranha porque nós temos padrões de comparações com outros. No geral, as pessoas gostam de decoração, móveis, eletrodomésticos e coisas, muitas coisas...
Eu sou estranha porque eu gosto dos espaços vazios, gosto do nada, da folha em branco, da roupa no cabide, do copo lavado... da casa vazia...
Gosto da possibilidade de poder preencher com o que eu quiser.
Gosto do eco dos sons nas paredes pintadas.
Gosto dos corredores que levam ao desconhecido do próximo cômodo vazio.
Gosto de ver as tomadas de energia elétrica livres.
Gosto da sensação de liberdade e conforto que o nada tem.
Sou estranha porque vejo um cano sem chuveiro e mesmo assim giro o registro e sinto o respingar da água gelada e densa.
Gosto!
Abro as janelas sem cortinas e gosto de ver um horizonte habitado
Voltar minha atenção ao ambiente e notar que tudo está cheio de possibilidades minhas...
Eu gosto de descobrir a vizinhança disposta a conversar e saber das novidades...
A voz ecoa pelos cômodos, a casa tem som de casa vazia...
Gosto de abrir as portas...
Gosto de apertar o interruptor da luz...
Gosto de tocar a campainha... béééééézzzz, ou dim-dom?
Garagem sem carro e escura... medo...
Gramado, acimentado ou sacada... lazer limitado.
Quando todos se vão, gosto de deitar no chão solitário e olhar pro teto...
Gosto da correria desenfreada na qual se testa o tamanho da casa.
Gosto da discussão pelos quartos, locais das camas...
Já imagino o sol da manhã e o da tardinha. O calor do dia...
Eu gosto da casa vazia e das possibilidades.
Eu gosto da casa vazia e do novo amanhã.
Eu gosto da casa vazia...
Casa vazia... minha infância...
Ah... como é bom estranhar uma casa vazia!

Onde estão?