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Foto do fundo: Auto-retrato - São Miguel do Oeste - SC by Alice Elaine

sábado, 12 de outubro de 2024

Dois Grampos

Todas as noites ela ia enrolando o longo cabelo, já fino por causa da idade e branco pelo passar do tempo. Um cabelo comprido, penteado e arrumado em um coque, cada noite, enquanto lembrava de sua mocidade. Lembrava que era um lindo cabelo, pelos menos segundo os elogios que recebia e que o espelho confirmava.

Era, também, uma moça linda, esta dona do cabelo. Cheia de vida e esperança, sonhadora como toda donzela a espera de seu príncipe encantado. Ah, este príncipe, quem dera pudesse ela escolhê-lo.

Chegou em um cavalo branco, mas com muitos anos a mais do que seu príncipe imaginário. E foi com ele que a moça dos belos cabelos casou-se, visto que havia sido prometida a ele antes mesmo de nascer. Eram duas famílias de destaque em seu município e não queriam que seus bens fossem repartidos e sim, somados. Então, aos dezesseis anos o rapaz ficou sabendo do nascimento de sua futura esposa.

Com o acordo consumado, ao longo dos anos, foram-lhes nascendo os seus onze filhos. Talvez tenha sido durante esta época que seus lindos cabelos foram perdendo o viço. Começou a faltar tempo, vaidade e incentivo para cuidá-los. Foram perdendo o balanço, o brilho, o volume… e a cor.

Sem dar-se conta de que a juventude também lhe fugia ia, dia-a-dia, enrolando seus cabelos com o pouco tempo que lhe restava para cuidá-los. Com o tempo seus filhos foram criados, casados e também tornaram-se pais e mães de seus netos. Suas bodas de ouro já haviam passado há muitos anos e talvez chegasse a completar o tempo para as bodas de diamante, também, porém isso já não lhe subia ao coração, nem esperava ou sonhava com isso. Sonhos, se é que ainda os tinha, era o de poder, talvez, vir a ter uma boa morte, quem sabe dormindo, sem sofrimento, apenas sonhando…

Uma história de uma vida inteira, ela lembrava enrolando uma comprida e fina mecha de cabelos em um coque. E para prender aquelas lindas madeixas de outrora, hoje, depois de tanto tempo, ela precisava apenas de dois grampos.






Crônica publicada pela primeira vez em 16/08/2016 no Site de Claudemir Pereira.

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