Capão do Leão by Alice |
Desembarcou do ônibus sentindo a tontura dos viajantes.
Horas de balanço constante, acelera e freia, sobe e desce, motor que ronca numa
constante e gente que por vezes grita e sussurra. O calor e o frio se misturam
dentro do espaço acondicionado sem ar. Cheiros e aromas peculiares o rodearam
por tanto tempo que nem sabe mais qual é o seu odor próprio. As luzes das
cidades, por vezes brancas e amarelas fundem-se com o neon das placas e
outdoors, ele viu todas as modernidades de um letreiro animado com alguns leds
queimados. Sentiu fome e enjoo, dormiu e acordou, babou, tossiu, soluçou e até
roncou.
Quando toca o tênis surrado e sujo no solo, após descer o
último degrau do carro, ainda com a mão nos óculos escuros e tentando
aclimatar-se, ele pensa no que deve fazer. Olhando em volta, mas sem poder ver
com nitidez, como uma cena soturna,
aproxima-se do bagageiro e entregando seu ticket resgata toda sua história dos
porões do coletivo. Pisa em uma poça de água negra, mais óleo do que água,
sujando ainda mais os cadarços longos do All Star outrora azul. Cobras e
lagartos escoam em sua mente, enquanto a boca apenas murmura sons
indecifráveis.
Tudo bem! Agora, já munido de tudo que é seu, o estômago e a
bexiga chamam a atenção com insistência e urgência, mas, dentro da carteira de
couro carcomida pelo tempo e o roçar do bolso traseiro da calça indica um
grande problema. Um sanduíche de mortadela prensado ou um banheiro limpo? O
sanduíche e um fechar de olhos no banheirinho da lanchonete, foi a sábia
escolha. As cobras e lagartos transformam-se em crocodilos e dragões ao
perceber o rolo de papel zerado. Sai do estabelecimento usando seus calçados
sem as meias, afinal...
Com parte de suas energias renovadas e uma certa medida de
satisfação estampada no rosto ele arrisca uma caminhada pelas ruas da nova
cidade. Lojas, pessoas, bueiros e carros, tudo exatamente igual ao que ele já
havia visto em todas as outras. Tudo estava lá, os cães, os táxis, as promoções
e os ambulante, até mesmo os vendedores de perdão e os pedintes de compaixão.
Nada mudou, talvez as cores e o tamanho das formas. O Sol é o mesmo e sua
sombra continua igual.
Porém, existe algo que ele anseia e necessita, e isto está
bem ali diante de si. Inspira profundamente o ar puro da cidadezinha de
interior e mantém a sua própria resolução. Ele decidiu procurar a felicidade e
não permitir mais que as barreiras o impeça de encontrar o que tanto persegue.
Hoje ele está convicto de que pode superar qualquer coisa e quer fazer sua vida
dar certo. Percebeu que depende de quem ele é ou quer ser para atingir seus
objetivos. Como ele ouviu e viu tantas
vezes nas frases de agendas infantil e femininas o que importa é SER FELIZ.
Então, ele sente o calor de uma aproximação familiar, seus
olhos são cobertos por mãos delicadas e macias, o perfume envolvente e sedutor
tomam de assalto seus pensamentos e todo seu corpo arrepia. Sua boca sorri
junto com sua alma, o coração dispara em êxtase. Desprende-se de sua mochila e
prepara seu universo inteiro para abraçar a sua felicidade e aconchegar-se em
seus cabelos. Levanta os óculos e focaliza a única coisa que desejava ver há
muito tempo.
Ele encontrou o seu caminho, seu lar e agora seguirá junto a
ele, lado a lado. Não precisará mais andar sacolejando pelas estradas
solitárias. A viagem será sempre agradável apesar dos problemas, porque agora
ele encontrou dentro de si o seu amor.