Páginas

Foto do fundo: Auto-retrato - São Miguel do Oeste - SC by Alice Elaine

terça-feira, 31 de maio de 2016

A Chegada...

Capão do Leão by Alice


Desembarcou do ônibus sentindo a tontura dos viajantes. Horas de balanço constante, acelera e freia, sobe e desce, motor que ronca numa constante e gente que por vezes grita e sussurra. O calor e o frio se misturam dentro do espaço acondicionado sem ar. Cheiros e aromas peculiares o rodearam por tanto tempo que nem sabe mais qual é o seu odor próprio. As luzes das cidades, por vezes brancas e amarelas fundem-se com o neon das placas e outdoors, ele viu todas as modernidades de um letreiro animado com alguns leds queimados. Sentiu fome e enjoo, dormiu e acordou, babou, tossiu, soluçou e até roncou.
Quando toca o tênis surrado e sujo no solo, após descer o último degrau do carro, ainda com a mão nos óculos escuros e tentando aclimatar-se, ele pensa no que deve fazer. Olhando em volta, mas sem poder ver com nitidez,  como uma cena soturna, aproxima-se do bagageiro e entregando seu ticket resgata toda sua história dos porões do coletivo. Pisa em uma poça de água negra, mais óleo do que água, sujando ainda mais os cadarços longos do All Star outrora azul. Cobras e lagartos escoam em sua mente, enquanto a boca apenas murmura sons indecifráveis.
Tudo bem! Agora, já munido de tudo que é seu, o estômago e a bexiga chamam a atenção com insistência e urgência, mas, dentro da carteira de couro carcomida pelo tempo e o roçar do bolso traseiro da calça indica um grande problema. Um sanduíche de mortadela prensado ou um banheiro limpo? O sanduíche e um fechar de olhos no banheirinho da lanchonete, foi a sábia escolha. As cobras e lagartos transformam-se em crocodilos e dragões ao perceber o rolo de papel zerado. Sai do estabelecimento usando seus calçados sem as meias, afinal...
Com parte de suas energias renovadas e uma certa medida de satisfação estampada no rosto ele arrisca uma caminhada pelas ruas da nova cidade. Lojas, pessoas, bueiros e carros, tudo exatamente igual ao que ele já havia visto em todas as outras. Tudo estava lá, os cães, os táxis, as promoções e os ambulante, até mesmo os vendedores de perdão e os pedintes de compaixão. Nada mudou, talvez as cores e o tamanho das formas. O Sol é o mesmo e sua sombra continua igual.
Porém, existe algo que ele anseia e necessita, e isto está bem ali diante de si. Inspira profundamente o ar puro da cidadezinha de interior e mantém a sua própria resolução. Ele decidiu procurar a felicidade e não permitir mais que as barreiras o impeça de encontrar o que tanto persegue. Hoje ele está convicto de que pode superar qualquer coisa e quer fazer sua vida dar certo. Percebeu que depende de quem ele é ou quer ser para atingir seus objetivos.  Como ele ouviu e viu tantas vezes nas frases de agendas infantil e femininas o que importa é SER FELIZ.
Então, ele sente o calor de uma aproximação familiar, seus olhos são cobertos por mãos delicadas e macias, o perfume envolvente e sedutor tomam de assalto seus pensamentos e todo seu corpo arrepia. Sua boca sorri junto com sua alma, o coração dispara em êxtase. Desprende-se de sua mochila e prepara seu universo inteiro para abraçar a sua felicidade e aconchegar-se em seus cabelos. Levanta os óculos e focaliza a única coisa que desejava ver há muito tempo.

Ele encontrou o seu caminho, seu lar e agora seguirá junto a ele, lado a lado. Não precisará mais andar sacolejando pelas estradas solitárias. A viagem será sempre agradável apesar dos problemas, porque agora ele encontrou dentro de si o seu amor.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Uma Tarde Triste

A copa mais alta by Alice


O ruído agressivo e violento ecoa pela tarde como o prenúncio da morte eminente. É um dia cinza e nublado, como se fizesse o pano de fundo para o que estava prestes a acontecer. A indefesa e exultante árvore não imagina o seu destino, nem por um segundo defende-se ou tem a possibilidade de fugir. Espera passiva pelo ataque da monstruosa arma letal.

Um a um os galhos vão caindo, vão sendo desmembrados da mangueira imponente. Belíssima, esta árvore manteve o frescor do verão próximo às minhas janelas e à minha porta. Deu guarida aos ninhos das pombas e foi poleiro, dos mais altos, para o cantar orgulhoso do Bem-te-vi. Ouve-se ao chão o som oco da queda. Não há pássaros em volta, apenas a motosserra ruge seu bramido ardente e faminto. A natureza faz o silêncio do luto.

O verde derrubado das alturas agora aguarda no solo a sua completa ruína. Não há mais o que tremular ao vento, não há mais flores ou frutos. Foi-se a alegria das crianças, a diversão dos felinos, o abrigo dos pássaros e a beleza para a vista. O desejo de alguns traz a morte e a tristeza para outros. A mais alta e imponente de todas a sua volta foi destroçada, é o mau-agouro para as que ainda persistem...

É o fim. Acabou-se a ilusão e a esperança de que os algozes pudessem mudar de ideia. O carrasco implacável leva a cabo seu objetivo. Finda-se então uma história repleta de vida e abundância. Hoje escrevo com pesar o obituário de uma das minhas mais amáveis vizinhas.

É com grande pesar e angústia no coração que comunico que no décimo sexto dia do mês de maio do ano de dois mil e dezesseis, em torno das quinze horas, executou-se a sentença de morte imposta a Grande Mangueira, que habitou o meio de um terreno de cerca de trezentos metros quadrados, por cerca de vinte anos. Desceu de seus dez metros ao chão à força, mas sem luta e deixou para os que a conheceram e a viram crescer as boas lembranças dos amigos reunidos à sua sombra. Restou aos que a amavam o pranto e a dor da inestimável perda.

Toco da Mangueira by Alice



Onde estão?